Regulação de plataformas digitais proposta pelo Governo Federal impacta o Marco Civil da Internet

A Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB SP) e sua Comissão de Tecnologia e Inovação, em nota [https://bit.ly/3wMZf3h], posicionam-se contra a proposta do Governo Federal de publicar a Medida Provisória intitulada “Pacote da Democracia”, que pretende aplicar uma moderação mais rígida contra conteúdos antidemocráticos em plataformas digitais. Divulgada na última terça-feira (31), a carta também destaca que, “embora exista consenso sobre os efeitos deletérios da desinformação para o Estado Democrático de Direito, ainda há muita discussão sobre as soluções que devem ser implementadas”. O documento é assinado pela presidente da OAB SP, Patricia Vanzolini, e pelo presidente da Comissão, Ronaldo Lemos.

“Há grande preocupação sobre os riscos representados por respostas inadequadas provindas de um processo unilateral, pouco participativo e apressado, com efeitos potencialmente negativos para a estrutura de direitos digitais no Brasil", diz trecho da nota.

Por fim, a Secional destaca a gravidade dos fatos ocorridos no dia 8 de janeiro deste ano, contudo, afirma que não foram discutidas medidas para evitar que o problema não se repita, já que o funcionamento da desinformação nas plataformas digitais é sistêmico: “Ainda estamos longe de consenso sobre as respostas que devem ser dadas e as soluções que precisam ser construídas. Exemplo disso é o longo debate em torno do Projeto de Lei 2630/2020, o "PL das Fake News", que tramita no Congresso Nacional”.

Confira a nota completa

Em nota, Secional vê riscos em MP do Governo e propõe espaço de diálogo para discutir propostas sobre compartilhamento de conteúdos antidemocráticos nas redes

?     Em resposta ao 8 de janeiro, o Governo Federal prepara Medida Provisória (MP) para dispor sobre a moderação de conteúdos antidemocráticos em plataformas digitais, segundo divulgado pela imprensa;

?     A reformulação da estrutura de governança da internet brasileira sem diálogo com a sociedade e os atores envolvidos nesse processo desrespeita o princípio da multisetorialidade, pode resultar em graves disfuncionalidades e afetar liberdades públicas;

?     Embora exista consenso sobre os efeitos deletérios da desinformação para o Estado Democrático de Direito, ainda há muita discussão sobre as soluções que devem ser implementadas;

?     Propostas que impactam o equilíbrio encontrado por normas como o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI) precisam passar por amplo debate público, a fim de que sejam protegidos valores como a liberdade de expressão e a inovação tecnológica.

Diante dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro, em Brasília, uma série de respostas institucionais vêm sendo elaboradas pelo Executivo Federal, com o intuito de criar mecanismos de prevenção e repressão às campanhas de desinformação responsáveis pela mobilização de agentes extremistas e fomento da violência.

Uma dessas medidas foi anunciada na última quinta-feira (26) pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. Trata-se do chamado “Pacote da Democracia”, o qual, entre outras medidas, preconiza uma MP para dispor sobre a moderação de conteúdos antidemocráticos na internet e criar um correspondente “dever de cuidado” para as plataformas digitais, incluindo a publicação periódica de relatórios de transparência e sanções em caso de descumprimento.

Apesar do anúncio, não se tem notícia de o texto da medida ter sido publicado oficialmente, nem compartilhado com autoridades e Organizações da Sociedade Civil (OSCs).

As informações disponíveis no momento advêm de fontes da imprensa. Em razão dessa falta de diálogo, há grande preocupação sobre os riscos representados por respostas inadequadas provindas de um processo unilateral, pouco participativo e apressado, com efeitos potencialmente negativos para a estrutura de direitos digitais no Brasil.

A experiência com leis de emergência é reconhecida e negativa. Situações emergenciais demandam mais prontidão e ação do poder público do que novas normas, pensadas e aprovadas sob o influxo de casuísmos.

Não há dúvidas sobre a gravidade do ocorrido no último dia 8 de janeiro e a ameaça representada pela desinformação ao Estado Democrático de Direito. Mas, ainda estamos longe de consenso sobre as respostas que devem ser dadas e as soluções que precisam ser construídas. Exemplo disso é o longo debate em torno do Projeto de Lei 2630/2020, o “PL das Fake News”, que tramita no Congresso Nacional.

O problema da desinformação é de natureza sistêmica e, portanto, pede que seu enfrentamento seja pautado a partir de uma discussão multidisciplinar e multisetorial, envolvendo não apenas o Poder Executivo, mas, também, o Legislativo, o Judiciário, OSCs e as próprias plataformas, aos moldes dos processos que culminaram na promulgação do MCI (Lei 12965/2014) e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD[Lei 13709/2018]).

O MCI e a LGPD são legislações que colocam o Brasil no mapa dos países com arcabouços legais robustos, que contemplam os anseios e responsabilidades de todos os interessados no uso democrático, seguro e inovador da internet e tecnologias digitais. A partir dessas experiências bem-sucedidas, o princípio da multisetorialidade se tornou a pedra basilar da governança e regulação na internet no país, devendo informar qualquer proposta que busque influir na sua construção ou reformulação.

A edição de norma destinada a coibir a disseminação de desinformação, violência política e discurso antidemocrático deve levar em conta, ainda, a natureza participativa da rede, cuja preservação constitui princípio informativo da disciplina do uso da internet no Brasil.

Essa também tem sido a tônica em outros países e até mesmo fóruns internacionais que se debruçam sobre o tema. Veja-se, por exemplo, a recente iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de formular uma moldura internacional sobre regulação de plataformas digitais e a subsequente convocação de atores interessados para uma rodada de debates em Paris, em fevereiro de 2023.

Também no âmbito internacional, é interessante notar estratégias desenvolvidas por grupos multissetoriais, com o objetivo de combater campanhas de desinformação que quebram com a temerária lógica da vigilância em massa e, em seu lugar, apostam na aplicação do princípio “follow the money” (ou “siga o dinheiro”). O foco é identificar os financiadores desses movimentos antidemocráticos e desmantelar a “máquina da mentira” que os alimenta. Assim, o Estado garante o direito à privacidade, proteção de dados e liberdade de expressão, sem descuidar da garantia da lei ou interferir de forma indevida na esfera de autorregulação de plataformas digitais.

Vale destacar, ainda, que normas como o artigo 19 do MCI são responsáveis pela manutenção de um equilíbrio frágil que protege, de um lado, a liberdade de expressão dos usuários de internet e, do outro, a inovação no setor de novas tecnologias. A notícia de que o texto da MP poderia criar “uma exceção ao artigo 19” e exige que plataformas removam ataques ao Estado de Direito sem ordem judicial prévia é altamente preocupante1Uma reforma dessa magnitude, que se presta a modificar o núcleo da regulação do tema no país, não pode ser implementada sem debate robusto e prévio.

Por fim, é preciso evitar que o Brasil cometa o erro de, ao tentar coibir a desinformação nas redes sociais, delegar às plataformas o poder de definir o que é ataque ao Estado de Direito que justifique a moderação de um dado conteúdo. Esse é o resultado imediato de se excepcionar a aplicação do artigo 19 do MCI e é, igualmente, a fonte das críticas mais assertivas dirigidas a legislações como a NetzDG, na Alemanha. É preciso resguardar o papel do Poder Judiciário como o fórum adequado para a tomada de decisões que envolvem o sopesamento de direitos e garantias fundamentais.

O debate sobre essa norma merece o envolvimento de todos os entes e setores da sociedade interessados e impactados pelas suas disposições, livre de preconceitos e de personificações que possam colocar em risco direitos fundamentais dos usuários e a atividade desempenhada por provedores dos mais variados perfis, portes e origens. Não se trata de uma lei que afetará apenas grandes conglomerados de tecnologia, mas todos aqueles que se valem da internet como usuários ou como provedores de aplicações.

Nestes termos, a Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB SP) se coloca à disposição das autoridades competentes para criar um espaço de diálogo que seja capaz de refletir sobre as respostas institucionais aos desafios postos pela desinformação em plataformas digitais. A defesa da democracia deve continuar sendo uma das pautas prioritárias no Brasil, e a defesa dos princípios democráticos na internet depende de uma regulação multissetorial e inclusiva.

Patricia Vanzolini

Presidente da OAB SP

Ronaldo Lemos

Presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação 

Publicado às 10h58

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